quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Consciência da palavra escrita

Às vezes acontece que durante a comida há só essa letania aborrecida que repete:
-Nicolás, senta bem.
-Nicolás, tira o cóvado da mesa.
-Nicolás, come.
Repetem-se os três versos como frases recorrentes e mágicas em tom ascendente e prolongando muito, mesmo muito, a primeira vogal do "come". Qualquer coisa assim: "Nicolás, coooooome".
Mas outras vezes acontece que a comida é simples e do gosto absoluto do Nicolás: batata frita. Então podemos conversar e deixar as rotinas. Isso é que aconteceu no domingo. Conversamos.
Falávamos dum homem já maior que mora perto de nós e que, para além de maior, é sábio. Da maneira em que ordena o pensamento nos breves diálogos de rua. Do jeito em que ele cuida da sua mulher enferma. Aqui, diante desta imagem, ficamos calados. Cada um de nós os quatro ficou calado a pensar no senhor António. Fez-se um silêncio.
Foi então que o Nicolás falou e disse:
-Agora é quando a mamai escreve: "... y se hizo un silencio en la mesa...".
Abriu dramâticamente os braços para dizer estas palavras, como se dirigir uma orquestra, e com a pontinha afiada do seu olhar podia-se mesmo espetar as batatas do prato.

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